A passagem de ano é das poucas celebrações transversal a culturas, credos e religiões e por isso o o momento mais auspicioso do ano uma vez que no Mundo inteiro a Humanidade vibra na esperança e crença de um ciclo se ter encerrado e o próximo ser seguramente melhor (tentando contribuir para este mundo melhor com a tomada de decisão de largar velhos hábitos e abraçar novas possibilidades).
É um momento de consciência global na importância de fechar ciclos, de reconhecer os ciclos, reconhecer a Vida. É um momento que celebra o calendário solar sobre todos os outros calendários.
São 24h de um imenso portal de celebração e por isso uma oportunidade incrível, para qualquer pessoa, em qualquer tradição, reflectir e redefinir quem é, o que quer e o que valoriza criando distância dos automatismos criados durante um ano inteiro.
Este fim de ano tem um entusiasmo acrescido pois é a celebração do fecho de um ciclo anual incrível, cheio de novidades, eventos cósmicos e astrológicos, mudanças de paradigmas pessoais, profissionais e sociais. Este foi de facto um ano incrível, inequivocamente revelador e transformador a uma escala global o que por si só justifica uma celebração de fim de ciclo que expresse esta magnitude, independentemente do juízo que fazemos do facto ou resultado prático do ano.
A poucos dias da passagem de ano esta é a melhor altura para vos escrever sobre a importância de arregaçar mangas e resolver assuntos pendentes. Um acto que devemos fazer de forma recorrente por forma a vivermos uma vida fluida e plena praticando APARIGRAHA, o desapego a situações, pessoas, processos que já se esgotaram na forma que conhecemos.
Ainda que mentalmente todos percebamos que a nossa existência é limitada no tempo, na prática continuamos a escrever “saudade eterna nas lápides” o que mostra de forma clara a nossa resistência em fechar ciclos com a consciência de que os processos, situações e pessoas nunca terminam completamente, apenas se esgotam na forma, no tempo e no espaço. Seja um trabalho, uma profissão, um relacionamento tudo se transforma, aceitar esta transformação pode ser mais ou menos penoso, e isso depende apenas de ti, da tua capacidade de fechar ciclos para conseguirmos seguir em frente vencendo a inércia resultante do apego aos hábitos, por mais prazer (quando há proximidade) ou dor (quando há privação) que promovam. Sobre isto partilho um poema de um paciente:
“Tenho dois factos para ti:
O primeiro é que tenho 1,80m.
O segundo é que o amor é o sentimento mais vulnerável.
Temos de aprender a agarrá-lo folgadamente, para não doer tanto quando for embora.
Um dia qualquer passou a ser o DIA em que um anjo chegou à minha vida.
Tem um nome, uma forma mas, para mim, é ELA.
Tem um sorriso do tamanho do universo, os olhos brilham como as estrelas.
É o meu mundo e é a minha mulher.
A partir desse dia aprendi a amar sem segundas intenções.
A minha força era pouca e o sorriso dela fazia-me sonhar, mas…
Num dia qualquer tudo mudou e esse dia passou a ser o DIA em que ela me abandonou para se reencontrar.
Eu fiquei cá para fabricar asas a partir de lágrimas e sonhos desfeitos, ainda que continue atormentado por estes pesadelos.
Eu tenho uma mente criativa.
Às vezes crio realidades alternativas em que ela continua cá.
Tudo o que eu gostava que tivéssemos feito repete-se e repete-se e repete-se.
Estou farto de me fazer de Deus, porque tenho de aceitar que a minha mulher não vai voltar.
É esse o preço do amor.
Gostar tanto de uma pessoa ao ponto de não nos imaginarmos sem ela.
Olhamos para trás e dizemos… e se trocar apenas mais um dia com ela pelo resta da minha vida? Mas não é real.
Eu sei que disse para agarrarmos o amor folgadamente para não doer tanto quando for embora, mas se esta dor e essas recordações são tudo o que me resta de ti…
Jamais lamentarei as cicatrizes causadas por me agarrar a ti.”
Este poema, que em algum dia já ressoou no nosso coração como nosso, ilustra bem o quão comum é a crença de ser mais fácil suportar o mal conhecido do que empreender uma nova aventura. O apego e medo pelo desconhecido é uma característica densa da mente humana que lhe confere resistência ao fecho de ciclos. Esta mesma característica que na idade média nos conduziu à agricultura agora ceifa-nos os sonhos, a possibilidade de ir, evoluir, viajar pois há uma parte de nós que gostaria de continuar da mesma forma e não sentir qualquer incerteza diante do novo. E está tudo bem, é um qualidade da mente humana. O problema está quando essa qualidade se torna a principal e condiciona a Vida deixando um rasto de tristeza e dor. Se estás a sofrer com um processo (momento, situação, relação) significa que o processo se esgotou. Há que encerrar o ciclo e deixar ir.
Mas como fazer diferente?
Depois de tomar consciência do fim, a segunda tarefa é assumir que o que resta do processo são apenas lembranças, que só isso te faz permanece no momento. Tornar consciente o facto de que o apego que temos a um processo que já terminou é simplesmente mental e reconhecer a nova realidade.
Para isso é importante ter consciência do que estamos a deixar ir. Não em forma de loop, enterrando a cabeça na areia (memórias) como um avestruz mas rever, passo a passo, cada uma das experiências que fizeram parte desse processo, identificar o começo, os momentos mais relevantes e todas as sensações experimentadas. Este processo deve ser Consciente e limitado no tempo para não alimentar a mente perversa que insiste em manter a dor. Por isso, deve ser preferencialmente guiado por um terapeuta que chegue a um momento que nos lembra que… BASTA!
A partir dessa segunda etapa (1. deixar ir; 2. tomar consciência da identidade mental do processo) é importante fazer um balanço, uma avaliação das experiências positivas e também desafiantes que ocorreram nesse ciclo. O que foi aprendido e o que não foi. O que contribuiu para o nosso crescimento e como contribuiu para as nossas limitações. Essa é a melhor forma de dizer adeus. O objetivo principal do fecho de ciclos é “FAZER AS PAZES” com o passado (com as memórias do passado), para seguir em frente na dádiva do momento presente sem deixar que as experiências (ou as lembranças desfocadas que restam) condicione todo o Divino mistério que vem com o Futuro que se constrói em cada entrega alucinada ao AQUI e AGORA, lembrando que todo o final implica um novo começo.
A FORMA COMO VIVEMOS ESTE COMEÇO, ESTE NOVO CICLO QUE COMEÇA AQUI E AGORA, deve ser o foco da nossa atenção e do nosso interesse. Este novo ciclo pode até demorar um pouco a “vestir”, a encaixar mas cada tropeção, cada desafio, cada surpresa, cada nova descoberta traz consigo um toque de aventura e aprendizado que rapidamente se transformarão em adaptações que, na maioria das vezes, nos levam a lugares surpreendentes.
Abraça a mudança! Assume este novo ciclo como a oportunidade de colocar em prática o que aprendeste no ciclo anterior e ampliar o que já sabes.
E lembra-te que, apesar de não existir uma fórmula mágica para eliminar a dor da perda, desenvolver uma consciência do processo como um ciclo com principio, meio e fim é já um passo gigante em direcção à mudança e visão da vida.
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Lara Lima
Terapeuta de Medicina Ayurveda, Coimbra
www.bmqbylaralima.com
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