Uma visão Ayurvédica sobre a Febre (Jvara Roga)

A Febre (Jvara Roga)

Nos textos do Ayurveda, febre é descrito como “Jvara deha indriya manasa santapa”, ou seja, a febre é calor na mente e nos sentidos assim como a subida de temperatura corporal.

O Ayurveda define a febre como uma doença em si, enquanto a medicina moderna refere a febre como um sinal clínico de uma doença, habitualmente infeciosa ou inflamatória. De acordo com a ciência védica a febre ocorre quando o ama e o dosha entram no rasa dhatu, apresentando características específicas de acordo com dosha que entra no rasa.

De acordo com o Ayurveda há vários tipos de febre, podendo classificar-se em mono, duo ou tridóshica, sendo que a febre tridóshica poderá ser equiparada à febre associada ao quadro de septicémia na medicina moderna. Apesar da febre poder ser objetivável na maior parte dos casos com um termómetro, alguns indivíduos com estados febris não apresentam alteração da temperatura à avaliação do termómetro, encontrando-se com aquilo que o Ayurveda denomina de febre interna, onde os sinais cardinais de febre estão presentes, tais como cefaleias ou mialgias, porém a pele mantém uma temperatura normal.

Como se poderá explicar a existência de febre sem alteração da temperatura corporal? Esta condição conduz a um estado subjetivo febril, onde há perceção de calor saindo dos olhos e ouvidos ou até mesmo do ar exalado dos pulmões. O indivíduo sente-se quente embora a temperatura não esteja aumentada. Nestes casos ama e Pitta estão a movimentar-se no sthayi rasa dhatu (o rasa completamente processado). Alguns pacientes descrevem como um ardor ao urinar, assim como pode levar a lesões bolhosas na pele e queixas álgicas. Quando o samprati da febre atinge o mana vaha srotas, a mente torna-se facilmente irritável, crítica, julgadora e com fúria, ou seja febre mental. Há indivíduos que desconhecem que vivem numa febre interior, mantendo-se muitas vezes a tomar regularmente fármacos anti-piréticos e anti-inflamatórios de forma regular.

Tipos de febre (Jvara Roga)

Segundo o Ayurveda, uma febre do tipo Kapha inicia-se no estômago, do tipo Pitta inicia-se no intestino delgado e do tipo Vata inicia-se no colon. Se a febre for de predomínio Vata o indivíduo refere sentimentos de medo e raiva em simultâneo, raiva que tem as qualidades do fogo e o medo que se associa a Vata. Uma febre do tipo Kapha associa-se a sentimentos de ganância e raiva, e uma febre do tipo Pitta está associada a raiva e irritação.

Tal como nas outras patologias, na febre o(s) dosha(s) percorre(m) vários estádios de desenvolvimento e quando passa para o segundo estádio (prakopa), vai levar a perturbação do agni e formação de toxinas. No terceiro estádio (prasara) o dosha leva o ama para o interior do rasa dhatu, originando a febre. Durante a febre a fome está suprimida porque o jathara agni é levado para o rasa dhatu deixando de estar presente no estômago. Esta ausência de fogo no estômago gera mais agni. Quando o fogo no rasa dhatu é excessivo ele invade os mana vaha srotas, os canais da mente, levando à já referida febre mental, que pode dever-se à ingestão de alimentos incompatíveis, como por exemplo fruta e proteína animal, pode ser devida a um estilo de vida e dieta inapropriados para a sua constituição ou a combinação de extremos de temperatura.

Habitualmente não há transpiração durante a febre, exceto no caso de febre Pitta, uma vez que ama bloqueia os sveda vaha srotas, ou seja, os canais da transpiração. Este ama também leva a dores generalizadas, uma vez que a febre ao alojar-se no rasa dhatu impede este de cumprir a sua função de nutrição; quando a nutrição do dhatus acontece o corpo desenvolve queixas álgicas. Assim, para podermos dizer que estamos perante Jvara, é necessária a presença dos 3 sinais: calor interno, ausência de transpiração e dores generalizadas, indicando que o dosha e ama estão em movimento à procura de um local para se alojar.

Sinais prévios (Purva rupa)

Os sinais prévios à doença ou pródromos ou purva rupa são a sensação de exaustão, cansaço, em que o indivíduo perde a vontade de viver a par de uma crescente aversão aos estímulos externos. Para além disso, numa febre do tipo Vata o indivíduo fica com a pele acinzentada, do tipo Pitta a pele fica avermelhada e do tipo Kapha apresenta palidez. Há também perda de paladar. Outros pródromos associados a uma febre do tipo Vata são os bocejos e arrepios, ao tipo Pitta associam-se as tonturas, sensação de queimor assim com calor nos olhos. Arrepios, escorrência nasal e perda de apetite são pródromos associados a febre do tipo Kapha.

De uma forma resumida podemos caracterizar cada um dos 3 tipos de febre:

  • Febre Vata associa-se a obstipação, arrepios e sensação de frio e temperaturas menos elevadas (37.5 – 38 C); também estão presentes dores generalizadas, cefaleias, zumbidos e rigidez muscular; pode haver insónia, ansiedade e artralgias;
  • Febre Pitta associa-se a febres altas (acima de 39 C), vermelhidão nos olhos e cefaleias, irritabilidade e intolerância ao calor; podem também estar presentes náuseas, vómitos, epistaxis, urina amarelo escuro, fotofobia e diarreia. No caso das crianças pode desencadear crises convulsivas;
  • Febre Kapha associa-se a frio, congestão mucosa e tosse; a temperatura não é muito elevada nem costuma haver alterações do sono; pode haver escorrência nasal, excesso de salivação e ausência de apetite.

A febre pode estar presente em qualquer um dos 7 tecidos: rasa (plasma), rakta (sangue), mamsa (músculo), meda (gordura), asthi (osso), majja (medula óssea e nervos) e shukra (gâmetas), apresentando sinais e sintomas de acordo com o tecido onde se encontra:

  • Rasa dhatu: apresenta-se com sintomas de Kapha, nomeadamente peso no peito, congestão pulmonar, dores generalizadas e excesso de salivação. Os subprodutos do rasa dhatu, stanya (leite) e raja (menstruação) apresentam características Kapha; mesmo se o dosha dominante do indivíduo for Vata ou Pitta, os sintomas de febre presente no rasa são predominantemente Kapha, embora no individuo Kapha possa apresentar menos congestão e no indivíduo Pitta apresente mais inflamação.  No caso de febre Kapha poderá desenvolver-se derrame pericárdico.
  • Rakta dhatu: quando o rasa é forte e está saudável, não vai permitir que a febre se aloje, levando a que passe ao tecido seguinte (rakta), originando sintomas tais como epistaxis, hemorragias da boca, estômago ou pulmões, tonturas, delírios; sempre que a febre invade os rakta vaha srotas há hemorragia. Neste caso, nos indivíduos tipo Vata, o volume de sangue é mais pequeno com maior formação de coágulos; nos indivíduos tipo Pitta a hemorragia é abundante e nos tipo Kapha a hemorragia é acompanhada de muco.
  • Mamsa dhatu: quando a febre invade o mamsa dhatu há sintomas de bursite, tendinite ou miosite; pode também cursar com acne, rash, lesões cutâneas bolhosas e urticária.
  • Meda dhatu: nestes casos a transpiração é intensa e com odor muito marcado, desidratação e dores renais.
  • Asthi dhatu: quando a febre atinge o asthi dahtu há presença de dores ósseas, articulares e deflúvio capilar, as unhas podem tornar-se quebradiças e pode haver perda de peça dentárias.
  • Majja dhatu: a presença de febre no majja dhatu há rigidez dos músculos do pescoço, podem ocorrer cefaleias, irritação das meninges, rigidez da mandíbula, irritabilidade e perda de consciência.
  • Shukra dhatu: quando a febre invade o shukra dhatu, há destruição dos ojas e elevado risco de morte.

Tratamento da Jvara Roga

O tratamento inicial da febre passa pelo jejum, langhana. Se houver ingestão de alimentos, estes não serão digeridos, mas produzirão ama.

O indivíduo Kapha não deverá ingerir rigorosamente nada enquanto a febre estiver presente, embora um individuo Pitta ou Vata tenderá a desidratar se não ingerir líquidos; neste sentido deverá ingerir uma bebida que promova swedana (transpiração), como, por exemplo, chá de gengibre, erva príncipe, manjericão sagrado e funcho. O gengibre ajuda a digerir ama, erva príncipe tem efeito diaforético, o manjericão sagrado é descongestionante e anti-pirético e o funcho tem um efeito amapachana, destruindo ama. Em simultâneo sugere-se repouso, sono e aumento da temperatura do quarto por forma a estimular a transpiração. A reintrodução dos sólidos só deverá acontecer após 24h sem febre.

Apesar de ser interpretada na medicina moderna como um sinal clínico, a febre é referida no Ayurveda como uma doença, e que no seu desenvolvimento pode atingir qualquer um dos sete tecidos apresentando sinais e sintomas próprios, podendo em casos mais severos ter repercussões bastante graves, pelo que não deve ser encarada como uma manifestação ligeira de desequilíbrio do organismo.

 

Disclaimer: É altamente recomendável que consulte um terapeuta ayurvédico qualificado antes de iniciar qualquer processo de tratamento ou tomar ervas medicinais Ayurvédicas para a febre. O protocolo de tratamento pode mudar com base na doença e na constituição de cada pessoa.

 

Autores: Claudina Saldanha e João Pedro

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